Você já se olhou no espelho e viu algo que não devia estar lá, algo do qual você sente não te representar? Do qual você tem total consciência de que não importa o que você faça, sempre estará ali e a tendência é piorar? Então, diante de um corpo que você não escolheu, para fugir da terrível realidade, esculpe em divagações, qual Michelangelo, um corpo cuja forma se sentiria confortável. E os pensamentos autodepreciativos tomam conta, por que alguém iria querer se relacionar com uma aberração dessas, se nem eu mesmo consigo olhar meu próprio corpo sem sentir repulsa?
Essa magreza extrema, essas costelas saltadas, esse pescoço fino e essa escoliose, esse corpo franzino e frágil feito uma criança de colo que nada aguenta. Irônico detestar tanto fraqueza e ser tão indefeso, tão vulnerável. O que eu não daria para poder moldar os músculos ao meu bel-prazer? Só peço perdão a Deus por sentir tanto desprezo ao corpo que Ele me deu, essa é a cruz que devo carregar.
O que as mulheres que me relacionei pensariam se me vissem nesta forma patética? Com certeza mudaria tudo, todo o desejo cultivado com palavras esvairia ao vislumbre da inaptidão em dá-las as promessas feitas. Por isso fugi, as afastei no apogeu da relação. A única que soube e continuou comigo, mesmo sem compreender a gravidade da coisa, destruí querendo afastá-la — para o bem dela, dizia a mim mesmo para esconder minha covardia. Não consegui dar o privilegio da minha total ausência, devo isso a ela e preciso fazer o quanto antes. Ou é somente mais uma forma de fuga? Acredito que não.
Hoje não é tão difícil olhar no espelho, não vejo mais uma aparência horrorosa, meu corpo ainda vejo com repulsa — ainda não me ceguei à realidade —, mas aprendi a lidar. Mulheres? Me afastei e mesmo sofrendo com picos de testosterona, não corro atrás. É um misto de querer agradar Deus e por me fazer mal, não por não saber lidar com mulher, mas por me fazer pensar em coisas para fazer das quais me são impossíveis.